ELE ME IMITA MAL
Eu nunca liguei muito pra espelhos. Usava pra pentear o cabelo, escovar os dentes… coisa rápida. Até que um dia, há uns dois meses, eu reparei em uma coisa que não consegui esquecer.
Eu estava escovando os dentes, bem cedo, e achei estranho o jeito como minha cabeça virou no espelho. Não era atraso — tipo lag ou delay. Era... errado. A posição parecia forçada, meio "atuada", sabe? Como quando alguém tenta te imitar sem entender direito como você se move.
No momento, achei que era sono. Até dei risada. Fiz uma careta e o reflexo repetiu certinho. Mas tinha algo na velocidade... ou no tempo entre os gestos... que me incomodou.
No outro dia, aconteceu de novo. E de novo.
Comecei a testar.
Mexia um dedo de cada vez.
Pisava com um pé e olhava no reflexo.
Erguia as sobrancelhas em momentos aleatórios.
Tudo parecia certo. Mas algo dentro de mim dizia que não estava certo.
Na quinta noite, eu já não tava mais rindo.
Comecei a reparar no reflexo até quando não queria. No banheiro. Na tela preta do celular. No vidro da janela à noite. Sempre me encarando. Sempre... igual.
Mas não exatamente.
Achei que era paranoia.
Tentei filmar com o celular. Fiz os mesmos gestos. Vi e revi o vídeo várias vezes. No vídeo, tudo normal. O reflexo se mexia direitinho. Era só minha cabeça, né?
Mas mesmo com a filmagem na mão, eu não conseguia mentir pra mim mesmo.
Se você está vendo isso, pare por um momento. Vá até o espelho mais próximo. Olhe bem nos seus olhos. Pisque devagar. Conte até três. Agora me diga: você tem certeza de que foi você quem piscou primeiro?
Tinha alguma coisa errada.
Teve uma vez que bocejei E o reflexo…
Sorriu.
Eu juro. Eu não sorri.
E o sorriso… não era natural.
Era forçado. Largo demais. Como se ele tivesse treinando sorrisos e finalmente tivesse acertado um.
Nesse dia, me afastei do espelho.
Evitei o banheiro. Evitei a janela à noite. Tapei o espelho da sala com um lençol.
Mas não adiantou.
Ele tava lá. Em qualquer superfície que me refletisse. Me observando.
E o mais estranho: Eu comecei a ter a impressão de que não era mais o meu reflexo.
Como se, em algum momento, algo tivesse tomado o lugar do meu reflexo verdadeiro.
Algo que estava aprendendo a ser eu.
Mas que ainda errava em detalhes. Nos gestos. No olhar.
E isso me apavorava.
Ontem foi o limite.
Acordei de madrugada, fui pegar água. A cozinha tava escura, e a tela do micro-ondas tava desligada. Mas eu vi meu reflexo nela. E ele não tava com o copo na mão.
Ele só me encarava.
Firme.
Quieto.
Fiquei parado. Não pisquei. Não mexi nada.
E então…
Ele sorriu. Antes de mim.
Desde então, não chego perto de nenhum reflexo.
E é por isso que tô escrevendo isso aqui.
Não pra pedir ajuda.
Pra te avisar.
Se ele começar a se mexer diferente…
Se você piscar e ele não piscar…
Se ele sorrir antes de você sorrir
Não deixe ele saber que você percebeu.
Agora, toda vez que passo por um espelho,
eu sorrio primeiro.
Você também deve sorrir primeiro.
Ou ele vai saber.
eu sorrio primeiro.
Você também deve sorrir primeiro.
Ou ele vai saber.
