Eu tinha doze anos quando fui escolhida para fazer aquilo. Cresci em uma cidadezinha interiorana que se mantém através da agricultura. Desde pequena, ouvia histórias sobre a floresta e a Coisa que habitava lá, mas para mim era o tipo de história inventada para assustar as crianças. Um dia, acidentalmente, ouvi uma conversa entre alguns moradores mais velhos e meus pais sobre o tal Pacto do Manto Vermelho. Eles diziam que o ritual deveria ser realizado para manter a prosperidade e proteger contra a criatura na floresta, que já haviam se passado 12 anos.
"Alguém deve levar a oferenda este ano. É a última vez, após isso estaremos livres do pacto", disse um deles.
"Sim, e precisa ser ela..." respondeu outro.
Eu estava escondida atrás da porta, ouvindo cada palavra, quando fui percebida. Eles me olharam com olhos severos. Antes que pudesse me explicar, minha mãe com lágrimas nos olhos disse: "Filha, me desculpa, mas precisa ser você. Vai ficar tudo bem, siga as regras, por favor, e tudo ficará bem". Ela disse que também fez isso quando tinha a minha idade, tentou acalmar dizendo que seria rápido e que tudo daria certo e seríamos mais felizes depois disso.
Meus pais me deram uma série de regras para a minha segurança. Minha mãe colocou um manto vermelho em minhas mãos trêmulas, ouvi atentamente:
•Regra número um: Você verá uma trilha marcada por restos de velas, nela você poderá encontrar pequenos animais mortos e alimentos, mas não toque em nada, mesmo que seja sua comida favorita. Se você se perder da trilha ou comer algo nela, você se torna a oferenda.
•Regra número dois: Durante o trajeto, não fale, não chore e não faça barulho. A criatura estará sempre atenta a qualquer sinal. O manto vermelho irá confundir ela, então não retire em momento algum.
•Regra número três: Não olhe nos olhos dela. Ela irá tentar atrair sua atenção para ela, não importa com o que ela se pareça, lembre-se que não é real.
•Regra número quatro: Não abra o cesto em hipótese alguma. O conteúdo deve permanecer intocado. Se tocar na oferenda, você se tornará a oferenda.
Com essas regras gravadas na mente, fui levada até a entrada da floresta. O sol se pondo lançava sombras longas e assustadoras enquanto eu dava o primeiro passo. Os restos de velas e alimentos guiaram meu caminho, a sensação de ser observada era insuportável, mas não se comparava com desconforto de sentir o cheiro podre que vinha do cesto.
Enquanto caminhava, ouvi sussurros nas árvores e vi sombras se movendo rapidamente. O medo me fez correr, e comecei a ouvir passos atrás de mim, na verdade, o som parecia vir de todas as direções. Algo estava se aproximando. O medo crescia a cada segundo, me recusei a olhar para trás. De repente, uma voz familiar quebrou o silêncio.
"Querida, venha cá," a voz da minha avó chamou de uma cabana a qual eu não havia notado a existência. Sem nem pensar duas vezes, eu entrei.
A cabana tinha o familiar cheiro de chá de ervas que ela fazia, mas minha avó havia morrido quando eu tinha seis anos. Em minha frente, sentada em uma cadeira de balanço, estava algo que falava como ela, mas que falhou miseravelmente ao tentar se parecer com ela. Na verdade, eu diria que aquilo falhou ao tentar se parecer com uma figura humana. Seus olhos eram grandes, orelhas pontiagudas, e quando ela falou, pude ver que tinha presas.
Tentei evitar fazer contato visual e segurei as lágrimas. Me aproximei para entregar o cesto de oferenda, mas tropecei, o cesto caiu no chão. O conteúdo se espalhou e vi, horrorizada, que estava carregando tripas, coração e pedaços de pele humana. Logo associei com as histórias de desaparecimentos de pessoas na região.
A criatura, já não se importava tanto em falar como minha avó, algo dentro daquele disfarce estava sedento, lutando contra sua fome. A voz falhava, e aos poucos, ia perdendo o que tinha de humana, assemelhando-se a algo grotesco, como um animal feroz tentando formar palavras. "Deixe o cesto de doces no meu colo," ela ordenou, "A vovó está frágil e não pode se abaixar." Era nítido que aquilo era uma armadilha para me pegar.
Cometi o erro de olhar para o rosto dela após ela salivar em minha mão. A visão era aterrorizante: sua boca se abriu em um sorriso deformado, revelando fileiras de dentes afiados, sangue escorria de seus olhos e as orelhas estavam se contorcendo, a criatura já não estava mais conseguindo sustentar aquele disfarce humano. Era um pesadelo vivo.
Ela se jogou no chão e começou a comer, seu corpo crescia aos poucos, pelos surgiam enquanto sua pele se rasgava, suas mãos agora eram longas garras. Apavorada, eu corri o mais rápido que pude, sabendo o que aconteceria se ainda estivesse ali depois que ela terminasse de comer a oferenda. Fugi sem olhar para trás, guiada pelo puro instinto de sobrevivência.
Não consegui continuar morando naquele lugar. De alguma forma minha família acabou ganhando muito dinheiro com as colheitas naquele ano, e assim me mudei para longe na casa de minha tia, com o pretexto de que seria melhor para os estudos. Agora adulta, venho visitar minha família durante as férias. Esse lugar ainda me traz desconforto. Hoje, estou na casa da minha irmã, celebrando o aniversário de 12 anos da minha sobrinha, Maria. Meus sobrinhos saíram para brincar, mas ainda não voltaram, não param de falar sobre uma casa feita de doces que existe na floresta. Está quase entardecendo...acho melhor ir chamar por João e Maria.
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terror + chápeuzinho vermelho= fantástico
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